Estou a escrever um guião e tenho dúvidas sobre a melhor forma de descrever um telefonema. — Rui L.
Rui, não sei se a forma que lhe vou descrever é a melhor mas é aquela com que eu me sinto mais confortável e que acho mais prática e flexível.
Consiste em escrever o início do telefonema numa cena, com um dos interlocutores, colocar a transição "INTERCALA COM:" e escrever o resto do telefonema noutra cena, com o outro interlocutor. Em algumas situações podemos terminar o telefonema regressando à cena inicial.
Na prática a forma seria a seguinte:
EXT. RUA – DIA
Maria está junto ao seu carro, já de porta aberta, quando o TELEMÓVEL TOCA.
MARIA
(abrindo a porta)
O que é que se passa? Eu disse-te para não ligares.
INTERCALA COM:
INT. ESCRITÓRIO – DIA
É Peninha quem está a ligar, do seu cubículo igual a todos os outros do imenso escritório. Fala em voz baixa, olhando em redor, nervoso.
PENINHA
Temos de cancelar. Os gajos mudaram o password, hoje já não vai dar.
MARIA
Mas porquê? O que é que aconteceu?
PENINHA
Agora não posso falar. Encontramo-nos mais logo.
Peninha desliga o telefone e encosta-se para trás, respirando fundo.
EXT. RUA – DIA
Maria desliga o telemóvel e bate a porta do carro com violência. Depois apoia os cotovelos na capota e esconde a cara entre as mãos.
Desta forma o leitor do guião percebe perfeitamente que o diálogo está a ser seguido dos dois lados do telefonema, e o assistente de realização sabe que tem de prever a rodagem das duas cenas.
Outra maneira de escrever esta cena seria a seguinte:
EXT. RUA – DIA
Maria está junto ao seu carro, já de porta aberta, quando o TELEMÓVEL TOCA.
MARIA
(abrindo a porta)
O que é que se passa? Eu disse-te para não ligares.
PENINHA (V.O.)
Temos de cancelar. Os gajos mudaram o password, hoje já não vai dar.
MARIA
Mas porquê? O que é que aconteceu?
PENINHA (V.O.)
Agora não posso falar. Encontramo-nos mais logo.
Maria desliga o telemóvel e bate a porta do carro com violência. Depois apoia os cotovelos na capota e esconde a cara entre as mãos.
Neste caso, toda a cena é seguida do ponto de vista de um único protagonista, Maria. Só seria filmada a sua cena, e gravado o som do seu interlocutor.
Uma terceira alternativa seria deste género:
EXT. RUA – DIA
Maria está junto ao seu carro, já de porta aberta, quando o TELEMÓVEL TOCA.
MARIA
(abrindo a porta)
O que é que se passa? Eu disse-te para não ligares.
(pausa)
Mudaram o password!? Mas porquê? O que é que aconteceu?
(pausa)
Falamos logo, então. Mas espero que tenhas uma boa desculpa.
Maria desliga o telemóvel e bate a porta do carro com violência. Depois apoia os cotovelos na capota e esconde a cara entre as mãos.
Neste caso só ouvimos um lado da conversa, e os parênteses (pausa) indicam-nos os tempos de espera enquanto o personagem que estamos a ver ouve o seu interlocutor. Por sua vez, as respostas do nosso personagem dão-nos pistas sobre o teor da conversa. Temos é de ter cuidado para não escrever coisas do género "O quê? Caíste das escadas e agora já não te podes encontrar comigo porque a tua mãe te escondeu as muletas e não te deixa sair de casa?!"
Grande explicação sim senhor. Gostei. Também me foi util.
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Boa noite, João.
Minha dúvida é: Quando os personagens estão conversando, termina o espaço da folha e preciso continuar o diálogo. Há necessidade de escrever a palavra ‘mais’ na folha anterior e ‘continuação’ na próxima folha? Outra dúvida: Se tiver que passar para a próxima folha e não há continuação do diálogo, mudo a folha e pronto?
Viva Lucinety, as regras mais estritas dizem que sim, mas pelo menos em Portugal isso não se usa muito.
Pessoalmente, acho que rouba muito espaço, por isso uma das primeiras coisa que faço quando começo um guião num software de escrita é desativar essa função nas Preferências. Nunca ninguém reclamou comigo por isso ?
Quanto à segunda questão, a resposta é sim.
Boas escritas.