Entramos agora na reta final deste curso de guião – o seu terceiro ato, por assim dizer. Neste artigo e nos próximos dois vamos analisar, passo a passo, quais os principais desafios com que um guionista se depara na escrita de cada um dos três atos que compõem um guião de estrutura dita “clássica”: Exposição, Complicação e Resolução.
Mas para que tudo fique claro, vamos começar por recapitular os elementos essenciais desse tipo de estrutura.
A estrutura em três atos
A percepção de que a maior parte das narrativas se estruturam em três atos – princípio, meio e fim – já vem desde o tempo da Poética de Aristóteles. Foi ele o primeiro pensador a tentar sistematizar esta abordagem natural e instintiva da forma de contar uma estória.
Mais recentemente Syd Field, num livro chamado Screenplay, desenvolveu a conceção de Aristóteles apresentando o paradigma dos três atos, na sua formulação mais atual.
Assim, cada estória começa com um primeiro ato, de Exposição (set-up) em que os ingredientes da estória nos são apresentados. Segue com um segundo ato, de Complicação (confrontation), em que esses elementos são desenvolvidos, combinados e ampliados. E termina num terceiro ato, de Resolução (resolution) em que as questões levantadas são esclarecidas e encerradas.
Em suma, alguém quer alguma coisa (primeiro ato); enfrenta dificuldades crescentes para a obter (segundo ato); e acaba por consegui-la, ou por falhar na tentativa (terceiro ato).
Ainda segundo o paradigma de Syd Field há cinco momentos chave que marcam o desenvolvimento de cada estória:
- o Gatilho (catalyst ou inciting incident), evento perturbador sem o qual a estória não se poria em marcha:
- a 1ª Viragem (1º plot point ou turning point), que marca a transição do 1º para o 2º atos;
- o Ponto Médio (midlle point), um evento ou momento de maior importância, situado mais ou menos a meio da estória;
- a 2ª Viragem (2º plot point ou turning point), que marca a transição para o 3º ato;
- e, por fim, o Clímax, evento ou momento marca o fim da estória – uma espécie de reflexo simétrico do Gatilho.
Mais do que uma fórmula, o paradigma é uma grelha de análise que pode ser aplicada, com grande sucesso, a um impressionante número de filmes, escritos antes ou depois de Syd Field o ter formulado. Embora a sua abordagem seja excessivamente dogmática em muitos aspetos, os termos e conceitos que esse autor definiu são hoje a base da lingua franca com que todos os guionistas, realizadores, atores e produtores falam quando analisam um guião.

Os objetivos do 1ºato
Sabendo que o primeiro ato é o da Exposição, ou seja, o da apresentação dos elementos constituintes da nossa estória, resta ver que elementos são esses. Todos os guiões que seguem uma estrutura clássica, e a maior parte dos que não a seguem, abordam estes elementos de uma ou de outra forma.
A tarefa principal do guionista ao escrever o primeiro ato do seu guião será, pois, encontrar os elementos certos para cativar o interesse do seu público; e apresentá-los de formas interessantes e originais.
Apresentar o mundo da estória
Cada estória começa sempre num determinado universo: um local, como o mundo suburbano de Juno ou o mundo bucólico da Middle Earth do Senhor dos Anéis; um tempo determinado, como a Lisboa oitocentista dos Mistérios de Lisboa, a pobreza contemporânea das favelas de Cidade de Deus, ou o futuro distópico de Blade Runner; um grupo profissional ou social específico, como o dos corretores da Bolsa de Wall Street, os mafiosos de O Padrinho ou os amish de A Testemunha (que contrastam com o mundo do polícia John Book); ou ainda um estilo de vida, como o glamour aventureiro de todos os filmes da série James Bond, ou a miséria crónica dos pequenos traficantes de Trainspotting.
Na maior parte dos casos o mundo original da nossa estória resultará duma combinação de vários destes elementos: no caso de Alien, por exemplo, o mundo original resulta da combinação de um local, a nave Nostromo; um tempo, o futuro distante; uma profissão, mineiro; e um estilo de vida, a dureza e monotonia da mineração espacial.
Encontrar uma combinação de elementos que nunca tenha sido explorada pode ser a chave para começar a escrever uma estória interessante e original.
A apresentação destes elementos constituintes não tem de ser feita de uma só vez, nem logo no início. Mas é conveniente que ao longo do primeiro ato se vão somando pistas e informações que nos permitam construir uma radiografia do mundo original da estória, para melhor percebermos as implicações dos eventos que inevitavelmente o vão perturbar 1.
Por exemplo, Michael Clayton começa com uma sequência em que vemos o protagonista a fazer aquilo para que lhe pagam: resolver problemas complicados de clientes importantes da sua empresa. Só mais tarde percebemos que tipo de empresa é – uma grande firma de advogados – e quais os valores pelos quais se rege; valores que Michael nunca costuma questionar… até que algo o leva a isso.
Apresentar o protagonista
Dentro deste mundo original, bem estabelecido e com regras mais ou menos claras, move-se um personagem que nós vamos acompanhar ao longo da estória, o protagonista. Há que apresentá-lo, também, e da maneira mais interessante possível.
Em A Origem, o protagonista Cobb é introduzido numa extensa sequência de ação (após um prólogo muito curto destinado essencialmente a despertar a curiosidade) em que o vemos fazer aquilo em que é sumamente bom: entrar nos sonhos de outras pessoas para lhes roubar informações. São inúmeras as informações que recebemos sobre ele: como é; o que faz e como o faz; o seu estilo de vida; os seus pontos fortes; e até a sua maior fraqueza, Mal.
Mas um protagonista não precisa ser apresentado em ação, como Cobb ou James Bond. Em 72 Horas não é preciso muito para conhecermos o essencial sobre a vida pacata, arrumada e não muito fascinante de John Brennan, professor universitário, marido apaixonado e pai extremoso. Mas é o seu sentido de humor particular, e evidente amor pela família, que o tornam simpático desde os primeiros momentos.
O protagonista também pode ser apresentado num momento particularmente baixo e negro da sua vida. Em O Veredito, o protagonista Galvin é apresentado como um advogado rasca, que procura casos em funerais e casas mortuárias, tendo atingido o ponto mais baixo da sua carreira. Nestes casos é próprio protagonista que contém já em si as sementes do desequilíbrio posterior.
Apresentar a questão dramática principal
Como vimos em capítulos anteriores, um bom filme coloca normalmente uma questão dramática forte. Esta é, recordo, uma pergunta implícita que o narrador coloca ao espetador, deixada no ar no início do filme, e que deve ser respondida antes do fim: será que o protagonista vai conseguir alcançar o seu objetivo? Como é que isto vai acabar?
A partir do momento em que a questão dramática é apresentada o nosso objectivo enquanto espetadores é descobrir qual a resposta que essa questão dramática vai ter. Ela é a chave que nos vai manter agarrados à estória.
A questão dramática deve, pois, ser apresentada no 1º ato, e quanto mais cedo melhor. Não quer dizer que no decurso do filme ela não se transforme, ou não seja mesmo substituída por outra mais forte ou relevante. Mas se no fim do 1º ato não tiver ficado plantada na mente do espetador uma questão dramática, são maiores as probabilidades dele se desinteressar da estória.
Introduzir outros personagens e enredos secundários
Nenhum protagonista vive isolado no universo, pois não há drama sem conflito e, para haver conflito, têm de existir relações. Mesmo em filmes que apresentam propostas dramáticas mais radicais, como o recente Buried, em que o protagonista passa todo o filme preso num caixão enterrado algures no Iraque, há um leque de personagens complementares: um antagonista, ajudantes, até uma relação sentimental.
Uma parte destes personagens secundários – e as tramas secundárias que os envolvem – devem começar a ser apresentados ainda no primeiro ato.
Não é necessário que todos o sejam. Acontece muitas vezes, por exemplo, que o antagonista principal só é apresentado no decurso do 2º ato. O mesmo acontece, frequentemente, com tramas secundárias sentimentais.
Mas será muito difícil que se consiga passar um primeiro ato inteiro sem introduzir pelo menos uma parte significativa do elenco complementar.
Definir o ADN da estória: género, tom, tema e estilo
Cada filme, cada estória, tem aquilo que se poderia definir como o seu ADN narrativo. Este nasce essencialmente da combinação de quatro elementos distintos – as suas quatro “bases”: o GÉNERO, o TOM, o TEMA e o ESTILO.
Quando escolhemos um filme para ver, muitas vezes fazemo-lo em função do seu GÉNERO. O que nos apetece ver: um thriler? Um filme de terror? Uma comédia romântica? O Género em que uma determinada estória se encaixa deve pois ser bastante claro desde o início – muitas vezes desde o cartaz no átrio do cinema, com a sua frase publicitária.
O TOM do filme é também muito fácil de perceber, embora mais difícil de definir. Uma forma de o fazer é pensar em dois eixos: um que vai do Real para o Surreal; outro que vai do Leve para o Pesado. Praticamente todos os filmes podem ser definidos em função destes eixos. Por exemplo, Sózinho em Casa, uma comédia exagerada, está numa ponta do eixo Leve e do eixo Surreal. Já Seven, um thriller denso e barroco, está numa ponta do eixo Surreal, mas na extremidade oposta do eixo Pesado. Tanto um como outro não enganam o espetador; ao fim de poucos minutos do 1º ato já sabemos o que podemos esperar do resto do filme.
O TEMA é a questão humana, social, filosófica, que o filme tenta responder. É, grande parte das vezes, a verdadeira razão por que o guionista quis escrever uma determinada estória, mesmo que ele não tenha noção disso. Não é (ou não deve ser) um elemento óbvio, e por vezes é preciso ver todo o filme, e refletir bastante, para o perceber. Mas também é normal que algumas cenas, ou momentos, do 1º ato, dêem uma pista sobre ele.
Finalmente, o ESTILO diz respeito a todas as opções tomadas para a narrativa. Muitas dessas opções – realização, fotografia, edição, música, interpretações – são da responsabilidade de outros intervenientes, mas muitas outras estão já definidas no guião. Juno não seria o mesmo filme sem o estilo caraterístico dos diálogos de Diablo Cody, a autora. Os primeiros vinte minutos de There Will Be blood, sem um único diálogo, também definem logo à partida um estilo para esse grande filme.
Estes quatro elementos do ADN de um filme serão desenvolvidos num artigo posterior, mas o importante é realçar que eles ficam normalmente definidos desde o 1º ato, muitas vezes desde a 1ª sequência, e raramente mudam no decurso da estória. São muito raros os exemplos de filmes que tenham conseguido introduzir na narrativa com sucesso uma mudança radical de um ou mais destes vetores.
Momentos importantes do 1º ato
Como vimos os elementos essenciais da estória – o mundo original, protagonista, questão dramática principal, elenco complementar e ADN da estória – são apresentados no 1º ato. Podemos identificar quatro momentos chaves para o fazer-
O arranque
Se os últimos minutos de um filme são fundamentais para o seu sucesso, as primeiras páginas são cruciais para o sucesso de um guião. O final define em grande medida a opinião do espetador; o arranque determina quase por inteiro o interesse de um leitor – produtor, realizador, ator ou financiador.
É pois muito importante pensar bem a cena ou sequência inicial de um guião, fazendo com que ela transmita o máximo de informação sobre os componentes e o ADN do filme. Isso implica, normalmente, que essa sequência seja escrita e rescrita várias vezes, enquanto procuramos a forma ótima para agarrar o leitor/espetador.
Uma das regras de escrita de cinema é entrar numa cena o mais tarde possível, e sair dela o mais cedo que se consiga. Isto também se aplica às estórias; devemos começar a nossa estória o mais perto possível do início da verdadeira ação, do caudal principal da narrativa. Muitas vezes isso significa mesmo começar in media res, no meio da ação. É o que acontece no já referido A Origem, ou em Estado de Choque, só para dar dois exemplos.
Isto não quer dizer que todos os filmes tenham de começar com uma explosão, como os exemplos referidos. Os Condenados de Shawshank, por exemplo, começam apenas com Andy embriagado, segurando numa pistola, enquanto assiste à traição conjugal da mulher. O Padrinho começa com uma longa cena entre o Don e o pobre cangalheiro Bonasera, em que ficamos a saber tudo o que precisamos sobre as relações de poder que vão estar em jogo ao longo do filme. 72 Horas começa com um jantar e uma discussão entre cunhadas. A Selva começa com um ataque de índios amazonenses a um acampamento no seringal. Juno começa com a protagonista a beber quantidades desproporcionais de sumo. Sideways começa com Miles a procrastinar as suas obrigações na casa de banho. Todos começos diferentes, mas todos interessantes.
Há mil maneiras de arrancar com uma estória. Temos apenas de escolher aquela que é mais relevante e atrativa para a nossa.
O Gatilho (inciting incident)
O GATILHO é o segundo momento chave do 1º ato. É, como referimos antes, aquele evento chave que vem abanar o sem o equilíbrio aparente do mundo original. Sem este incidente a estória não se colocaria em marcha. Se Frodo Baggins não recebesse um certo anel para guardar, a sua vida continuaria calma e tranquila, e não haveria O Senhor dos Anéis; se Olive não fosse convocada para a final do Little Miss Sunshine a sua família continuaria calmamente disfuncional; se Andy não fosse julgado e condenado pela morte da mulher nunca iria ser um d’ Os Condenados de Shawshank.
Linda Seger refere nos seus livros que, por vezes, não é fácil identificar um Gatilho (a que ela chama catalizador) individual. O despoletar da ação resulta, nesses casos, de um acumular de eventos e tensões, que causam a disrupção do equilíbrio original. Estes “catalizadores de situação”, como ela os define, são um pouco mais raros, mas constituem obviamente uma opção para qualquer guionista, desde que adequados à sua estória.
A resistência
É também muito comum que o protagonista, apesar de confrontado com o evento disruptor do equilíbrio do seu mundo, resista à ideia de agir para tentar repô-lo. Todos somos na realidade vítimas de alguma inércia. Raras são as pessoas que face a um problema se atiram de imediato à sua resolução.
Esta fase de resistência à mudança, de ouvidos mocos, é muitas vezes aproveitada para introduzir na estória outros personagens e enredos secundários. O protagonista procura conselhos; esforça-se a todo o custo para fingir que nada se passou; assobia para o lado e tenta seguir em frente; até que as coisas se revelam sem solução, e ele é inevitavelmente obrigado a passar a tomar decisões e a passar à ação.
Em Assalto ao Arranha-céus o Gatilho é a entrada do bando de criminosos e a tomada dos reféns. Mas John MacLane não começa de imediato aos tiros. Foge, esconde-se, tenta avaliar a situação; procura negociar. Só quando um dos reféns é abatido a sangue frio ele percebe que está por conta própria, e é o único a poder fazer alguma coisa para inverter o rumo dos acontecimentos.
A 1ª viragem
A este momento do compromisso do protagonista com a ação; do seu envolvimento definitivo e irreversível com a estória; chama-se, como vimos antes, a 1ª Viragem, que assinala a transição do primeiro ato para o segundo ato.
Em Little Miss Sunshine é o momento em que a família embarca na carrinha Volkswagen e começa a viagem; em A Tempo e Horas é o momento em que Peter aceita boleia de Ethan; en A Ressaca, a cena em que os vários personagens acordam da bebedeira com um tigre no quarto.
É, como podemos ver, um evento, cena ou sequência geralmente fácil de identificar, que nos assinala o momento em que o motor da nossa estória atinge a velocidade de cruzeiro e ficamos prontos para seguir viagem.
Juno: o 1º ato detalhado
Juno é um pequeno filme que passou despercebido a muita gente até ganhar o Oscar de melhor argumento original. Na altura falou-se muito da sua autora, Diablo Cody, uma ex-dançarina e blogger que acertou na mouche com este seu primeiro guião, mas o filme merece muito mais do que isso. Tem uma escrita ágil, diálogos ricos, personagens credíveis, um humor muito próprio e um enorme coração, sem pieguice.
É também um exemplo perfeito de como uma estória original, com um ADN 100% próprio, pode ter uma estrutura totalmente clássica. A análise do seu 1º ato mostra-nos exatamente isso:
1º Ato
- Outono. Juno McGuff, a protagonista, observa uma cadeira abandonada e bebe sumo.
- Flashback para o seu momento sexo com Bleeker.
- Genérico inicial animado, com passeio de Juno pelos subúrbios.
- Na farmácia. Juno vai fazer o terceiro teste de gravidez.
- 05.00 Início do GATILHO (Inciting Incident) – Teste dá positivo.
- Juno reflete sobre a sua situação.
- Juno telefona a Leah com a notícia. Falam de aborto.
- Juno está com Leah, analisando opções.
- Flashback para aula de espanhol com Bleeker.
- Juno monta “cenário” à porta de Bleeker.
- Bleeker prepara-se para correr.
- 09.30 Fim do GATILHO (Inciting Incident) – Juno dá a notícia a Bleeker. Ele dá-lhe liberdade para fazer o que achar melhor.
- Na escola. Numa aula com Bleeker assiste a uma discussão de um casal.
- Juno telefona à clínica de aborto.
- Juno recorda a mãe em VO e apresenta a família – pai, madrasta e irmã.
- No exterior da clínica encontra colega manifestante anti-aborto. Ela fala-lhe nas unhas dos bebés.
- Enfrenta a burocracia na clínica.
- Na sala de espera da clínica recorda as unhas dos bebés. Desiste.
- Juno com Leah, falam de adopção.
- Lêem anúncios de adoção no parque. Gostam da fotografia de Mark e Vanessa.
- Bleeker em casa. A mãe de Bleeker não gosta de Juno.
- 25.00 PRIMEIRA VIRAGEM (1º turning point) – Juno dá a notícia aos pais e fala-lhes no seu plano de dar o bebé para adoção.
O 1º ato de Juno mostra-nos o mundo original – o status quo – em que a estória arranca: um bairro de subúrbios, calmo, tradicional; um liceu igual a tantos outros; uma família perfeitamente normal para este ambiente e época. Estamos na América contemporânea, suburbana e normalizada.
Apresenta-nos, também, sem qualquer margem para dúvidas, a protagonista do filme: Juno MacGuff, uma adolescente original, decidida, confiante, com um sentido de humor muito peculiar.
A questão dramática principal do filme é igualmente colocada de uma forma claríssima: como é que esta miúda, com quem simpatizamos instintivamente, vai lidar com um acontecimento que tem potencial para abalar todo o seu mundo – a gravidez inesperada?
O 1º ato de Juno apresenta ainda quase todos os personagens complementares da estória: Paulie Bleeker, o semi-namorado; a sua melhor amiga Leah; os pais, Bren e Mac; e até, indiretamente, os futuros pais adotivos, Mark e Vanessa. São também tocadas mini-tramas secundárias, apesar delas terem pouca importância neste filme: nomeadamente, a relação com Paulie e com a madrasta Bren.
Finalmente, o ADN do filme também é marcado com clareza nestas primeiras páginas/minutos. Estamos perante uma comédia juvenil, de tom leve mas firmemente assente na realidade, que nos fala da responsabilidade individual, com um estilo de humor suave assente em diálogos sofisticados.
Analisando sequencialmente este primeiro ato, vemos que começa com a ação já em curso (in media res): Juno já está grávida, sabe que o está, mas tem dificuldade em acreditar. As primeiras cenas, com o comportamente meio estranho de Juno, que recorda o passado olhando para uma cadeira abandonada enquanto bebe litros de sumo de laranja, agarram-nos de imediato. Não é “mais uma” comédia juvenil; é uma comédia com uma personalidade vincada, que por acaso é narrada por uma protagonista jovem.
O inciting incident de Juno assume uma forma muito particular. Em vez de se concentrar numa única cena, estende-se por uma sequência de cinco minutos que vai desde a confirmação definitiva da gravidez, até ao momento em que Juno percebe que terá de tomar todas as decisões sozinha.
Juno decide então abortar. Dado que, como veremos depois, o filme conta a estória da sua gravidez e plano para arranjar pais adotivos, a opção pelo aborto corresponde à fase da resistência.
Finalmente, quando Juno decide não abortar e, em vez disso, aponta para a adoção, começa a tomar forma a entrada no 2º ato. Mas é só quando ela dá a notícia à família, e obtém o apoio da madrasta e do pai, que fica definitivamente comprometida com esse rumo de ação.
Essa cena é, na minha opinião, o primeiro ponto de viragem, pois na sequência seguinte ela já vai conhecer Mark e Vanessa. O 2º ato começa o seu curso.
Conclusão
Na análise de Juno vimos que o primeiro ato tem cerca de 25 minutos, correspondentes a 30 páginas no guião. Como o filme tem, no total, 96 minutos, o primeiro ato ocupa mais ou menos um quarto da sua duração.
Esta medida de 25% é bastante normal. Grande parte dos filmes podem ser divididos em quatro partes mais ou menos equilibradas: o 1º ato; a 1ª metade do 2º ato, até ao ponto médio; a 2ª metade do 2º ato, até à segunda viragem; e o 3º ato.
É claro que não se pode escrever com fita métrica. A escrita é uma arte, e como tal suporta um número infinito de variações e de nuances. Mas se pretendemos escrever um guião nos moldes clássicos – que se adapta perfeitamente à maior parte das narrativas – devemos ter estas proporções em atenção.
Outra coisa que a experiência mostra é que muitos dos problemas do 2º e 3º atos têm origem em opções erradas que form tomadas na escrita do 1º ato. Por isso, frequentemente, é mais proveitoso regressar ao 1º ato para corrigir esses problemas de raíz, do que estar a tentar remediá-los mais à frente.
Bom artigo, com vários pontos interessantes!
Obrigado João Nunes!
Obrigado.
Teu blog é sensacional, rapaz!
Muito obrigado.
Estou a reescrever um guião que fiz e veio mesmo a calhar esta “revisão da matéria”. Obrigado!
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Li o teu curso todo, até à data, que com certeza me irá ajudar tremendamente no exame de amanhã! Vou fazer o ad hoc para entrar na licenciatura em cinema e audiovisuais.
Agradeço-te imenso pela tua generosidade e paixão no que toca à 7ªarte.
Melhores cumprimentos e OBRIGADÃO!!!
joao nunes e a prjimeira vez que entro em contacto comtigo ja venho a bom tempo aler os seus argtigo sobre cinema e tem sixdo muinto util pra mim.mas tenho uma duvida sobre os atos porvafor explica me oque e .
Caro Manuel, obrigado. Sobre os atos sugiro que leia os artigos anteriores do curso, onde esse tema é abordado.
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Eu Robson dos Santos, gosto de fazer curtas metragens como extensão do meu trabalho de compositor de música experimental.
Sr. João Nunes, grato pelos seus ensinamentos.
Eu Robson dos Santos, gosto de fazer curtas metragens como extensão do meu trabalho de compositor de música experimental.
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